- Não entendo... Não consigo compreender porque eles continuam a fazer isso. – o jovem estava mais confuso do que jamais estivera antes.
- É complicado sabe, mas ao mesmo tempo simples. – disse o velho ancião, sem sair nem um centímetro de sua posição de meditação.
- Não ajudou muito...
- É complicado, pois é uma longa história e muitas coisas acontecem em longas histórias. Mas é simples, como um grande quadro, que visto de bem perto não se entende os traços e pontos, mas ao se distanciar o bastante você compreende toda a imagem.
- Acho que entendi, mas me explique melhor os traços e pontos dessa imagem...
- Pois bem, vamos começar então... Sabe, em algum lugar lá atrás, bem lá atrás, nós nos perdemos. Acredito que alguns de nós descobriram que podiam manipular os outros para fazerem aquilo que desejassem e que não queriam fazer eles mesmos. Talvez isso tenha começado quando os primeiros de nós descobriram que podiam usar o medo para controlar determinadas ações de seus companheiros. Como por exemplo, incitar o medo em crianças para que não façam determinadas coisas, ou para que façam outras, como ir dormir cedo, não fazer maldade, e etc. Até o ponto em que começaram a usar o medo e a força para controlar totalmente outros indivíduos. Para isso faziam-se diferentes justificativas, como o local de nascimento, a origem familiar, a posição social, a cor da pele, e etc. E elas mudavam de tempos em tempos. Basicamente, quando se fazia necessária uma razão ou explicação para continuar a exercer tal controle, uma nova justificativa era criada... Isso foi o começo, mas com o desenvolvimento vieram também novas justificativas e meios de exercer o controle sobre determinados grupos. Até que aqueles que detinham o poder e exerciam o controle, perceberam que jamais poderiam continuar com seus atos enquanto existissem aqueles que os questionassem. Então eles logo trataram de eliminar qualquer possibilidade, e assim se deu início a “Guerra do Mal”, como foi conhecida...
- E porque ela tinha esse nome? – cortou-lhe o rapaz, ávido pela história.
- Porque aqueles que foram alvos da guerra, ou seja, aqueles que questionassem ou que pudessem questionar eram chamados de “Soldados do Mal”, de “Semeadores do Caos”, e outros nomes, todos criados pelos servidores da elite controladora, para justificar a opressão e a perseguição contra eles. Dessa forma, aqueles que tinham consciência de todo o sistema de controle e como ele funcionava, se tornaram alvos e foram caçados, presos e executados... – concluiu o velho, com o olhar fixo no horizonte. Parecia distante e cansado, como se estivesse carregando um enorme e pesado fardo. Sim, estava com uma aparência bem diferente de antes, mais velha, e cansada.
- Mas o senhor parece saber bastante sobre tudo isso. Porque não foi preso ou executado?
- Naquela época, nós éramos os chamados intelectuais, e quando a repressão começou pra valer, muitos decidiram ficar e morrer lutando por seus ideais. Enquanto outros fugiram com o lema de “Viver hoje, para lutar amanhã”. Eu fui um dos que partiu, mas isso já faz muito tempo agora. Hoje eu passo a maior parte do tempo contemplando, e sentindo a energia a minha volta. – O ancião parecia retomar seu ar tranqüilo, e já voltava a transparecer a sua paz interior.
- Entendo, mas ainda preciso perguntar... Se vocês sabiam do controle e de tudo, porque não fizeram nada?!
- Essa é a parte complicada, compreender os traços... Saiba que nós tentamos muitas vezes, e por muitas fomos bem sucedidos, mas o poder e a astúcia da elite controladora eram demasiadamente grandes... Nós descobrimos que para acabar com aquele sistema de escravidão era preciso trabalhar na formação dos jovens e das crianças. Pois quando crescem e aderem ao sistema de trabalho é como se assinassem um contrato de escravidão perpétuo, daí em diante o esclarecimento desses indivíduos se torna muito difícil. É como se a partir daí elas começassem a escavar um poço, e quanto mais o tempo passa, mais fundo fica o poço e mais difícil é sair dele. Entretanto, a elite, ciente disso, começou através de seus meios, a encurtar a infância e transformar as crianças e os jovens em mini-adultos, para poder ganhar controle deles o mais rápido possível. E também perpetuavam a ignorância e a alienação cada vez mais, pois para continuar a exercer o controle eles precisavam de pessoas burras que não questionassem e que comemorassem quando assinassem o contrato de escravidão ao conseguir um trabalho... Dessa forma, e além de outras, eles minavam as nossas tentativas de mudar o paradigma regente... Eu costumava dizer “Que é mais fácil mostrar a luz para aqueles que andam de cabeça erguida, do que para aqueles que olham para baixo”, e sabe, quando se desse bem fundo no poço, não se vê mais a luz, mesmo que olhe para cima...